Efeitos da Pandemia – O Lado de Dentro das Casas

Dia desses, comecei a reunir pequenos textos sobre as vivências humanas com o trabalho remoto compulsório e passei a refletir sobre os efeitos do lado de dentro das casas e das vidas que ali estão.

Muitas pessoas escreveram que estavam ainda se acostumando com a situação de trabalho remoto. E como faziam isso?

Bem, diziam: Foi preciso certo tempo até achar um lugar adequado para se instalar; um certo tempo para colocar limites nas crianças, que adoram colo, conversa, gritaria e estão em modo forte agitação.

Um certo tempo para não cair na tentação de ligar a TV ou a máquina de lavar. Um certo tempo para se coordenar com os e-mails do chefe e dos colegas. Um certo tempo para não pensar na roupa que iria usar. E um certo tempo para gerenciar o seu próprio tempo.

Ouso dizer: Esse é um tempo roubado.

Momentos de vida transformados com a invasão ao espaço privado, imposta pela pandemia.  Um evento que prendeu milhões de pessoas dentro de seus casulos e forçou quase todo mundo a desconstruir pedacinhos dos seus lares.

Pois é. DESCONSTRUIR é o termo.

Afinal, quem em sã consciência, iria querer mexer no seu cantinho de plantas para colocar uma mesa-cadeira-fone-computador-caneta-papel para atender as demandas do seu trabalho?

E o que dizer daqueles que não tem um cantinho livre, porque a casa não é grande o bastante para esta reserva de espaço…? Aí, sobram alternativas nada tranquilas…E que tal a mesa da cozinha?… ou mesinha em frente ao sofá da sala?

Quem pensaria que a rotina de trabalho, tão bem definida pela simples existência de um lugar e horário para se ir, passaria agora por ter de dar um jeito de se programar mecanicamente, como se estivesse indo para um trabalho, sem sair do lugar?

Já foi dito por muitos, mas não custa relembrar: Trabalhar em home office não tem nada a ver com trabalhar de forma compulsória remotamente.

Por isso, meu foco aqui não é o home office. E sim, o office que invade o home. É o escritório que adentrou as casas por não haver uma alternativa possível.

Felizmente, muitas organizações também vêm dedicando tempo e cuidado com a adaptação necessária dos seus colaboradores.

Saúde em primeiro lugar é um lema levado a sério por inúmeras empresas. Mas, ainda assim, há constrangimento de ambos os lados.

Embora, muita gente fale das vantagens do trabalho remoto, para milhares de pessoas, a expectativa é de que, como sociedade, como seres humanos, possamos reunir todos esforços e recursos possíveis para sair o quanto antes deste cenário distópico.

É preciso vencer o desafio com soluções sustentáveis e não invasivas.

Todos os dias vejo pessoas esperando ansiosamente pela notícia de que é seguro voltar ao local de trabalho e de que a vacina para esta terrível doença seja lançada com a máxima brevidade.

Vejo também muita gente torcendo para que o desejo de retomar o cotidiano agitado do trabalho na empresa não seja visto como insensibilidade e falta de cuidado com a saúde.

Ou ainda, que o desejo de voltar ao local de trabalho não seja rotulado como resistência à mudança, por não querer trabalhar remotamente.

O Lugar da Empatia

Diante deste cenário aprisionador, é essencial ter empatia. Isto quer dizer ter a capacidade psicológica para compreender sentimentos e emoções de outras pessoas.

Quando falamos de empatia, não significa tratar o outro como gostaríamos de ser tratados, mas sim, tratar o outro como ela ou ele gostaria de ser tratado

Assim, cada profissional que está no meio desta experiência compulsória, precisa ser respeitado por líderes e colegas, e tratado com ética, sem invasão de privacidade. 

O desafio para todos em trabalho remoto compulsório é ter entendimento efetivo de que o que existe dentro das casas está atrelado em parte às condições socioeconômicas.

Os lugares privados podem até ser uma boa casa com quintal, um apartamento amplo, mas muitas vezes, podem ser um pequeno quarto dividido com outros membros da família ou uma sala estreitinha.  

O que tem dentro das casas são histórias familiares e de cunho estritamente pessoal. São convívios que desenham um privado rico em mil e um afetos possíveis, mas ainda sim íntimo e particular. Então, a empatia é a melhor forma de não invadir.

Os Rostos na Janela

Vamos refletir um pouco mais também sobre as reuniões virtuais.

Muita gente deve ter percebido uma mudança nas reuniões virtuais comparando-se com começo do isolamento social até o presente momento. No começo, as pessoas mostravam mais os seus rostos e seus espaços. Aos poucos, foi ficando mais e mais comum menos gente visível nos chats.

Agora há  uma quantidade enorme de pessoas e jovens estudantes que passaram a manter a câmera de vídeo desligada na hora da reunião ou da aula virtual.

Sempre haverá uma razão justa para isso.

O malabarismo compulsório imposto pelo cenário, que obriga as pessoas nas reuniões virtuais a achar jeitos de esconder a parede desbotada, a bagunça dos brinquedos, a pobreza dos objetos, a louça na pia, aquela janela quebrada ainda não consertada, é por demais complexo.

Tudo é muito invasivo.

Assim como não se tem mais o hábito de aparecer sem avisar na casa dos outros, também não se pode “bater à porta virtual” e obrigar quem quer que seja, a ligar a câmera.

Por mais que as pessoas queriam manter uma interação humana, enxergando os rostos dos colegas, ou que líderes desejem ver seus liderados, há um limite para obrigatoriedade.

Um limite determinado pelo próprio indivíduo em seu direito de espaço privado.

Há também o natural senso crítico que cada um tem ao ver seu próprio rosto na tela. É preciso entender um fenômeno importante sobre a consciência da autoimagem.

Nas interações presenciais, as pessoas simplesmente não têm ciência de suas fisionomias enquanto falam e como expressam em seus rostos as várias emoções.  

Em uma típica reunião presencial, pouquíssimas pessoas dão importância para corrigir as expressões faciais. Nem sequer cogitam o aspecto estético. O que vale é a ideia.

Já nas reuniões virtuais, o espelhamento da própria imagem fica em destaque.

Muita gente se sente constrangida ao olhar para si mesmo e constatar por comparação que sua fisionomia não é tão agradável, que seu cabelo está desalinhado, que aquele ângulo não favorece.

É perceptível observar que os olhares dos participantes percorrem todos os rostos na tela e param várias vezes nos seus próprios rostos.

Nas salas virtuais com telas abertas, a pessoa vê o tempo todo suas micro-expressões faciais, seu ar de dúvida ou cansaço e sua forma de falar.

Este é um aspecto bastante perturbador.

O temor de ser julgado é tão forte quanto o próprio julgamento acerca de sua imagem pessoal.  Por isso, ao desligar o vídeo, a pessoa sente certo alívio, pois também retira o “espelho” da sua frente.

O senso estético humano pode ser bem cruel, não é mesmo?

Como sociedade em permanente evolução, ainda precisamos melhorar nossas interações, reduzir nossos medos e ampliar horizontes para outras experiências.

No entanto, neste exato momento em que o mundo gira veloz nas dinâmicas virtuais, é preciso ser gentil e dar todo o tempo possível para as adaptações.

Como seres humanos precisamos entender e acolher sem crítica o desejo de tantos de que a sala da casa ou a cozinha voltem logo a ser um espaço privado. Que a casa volte a ser um refúgio da família.

Um cantinho para chamar de seu.

Sem logotipo corporativo. Com todo respeito.

Este post tem 2 comentários

  1. Rosméri da Gama e Silva

    Parabéns Cris pelo texto sensível numa abordagem clara e precisa. É uma bela radiografia dos tempos em que vivemos. Namaste.

    1. Maria Cristina Niederauer

      Muito grata pelo feedback!

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